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terça-feira, 10 de abril de 2012

CIDADE DE SALVADOR - OS SABORES TROPICAIS E OS PODERES AFRODISÍACOS




BATIDAS
Publicado em A Tarde 4 de janeiro de 1979.
O malte escocês está perdendo terreno na Bahia para as frutas tropicais e as ervas que através de processos especiais transformam-se , quando misturadas com cachaça, em excelentes batidas com poderes afrodisíacos , as quais são apreciadas por todos aqueles que gostam de uma boa bebida. Uma prova da valorização e dos decantados poderes afrodisíacos é o número sempre crescente de “batideiros”espalhados em toda a orla marítima de Salvador, e que não conseguem atender a tantos clientes , principalmente as solicitações recebidas de várias partes do mundo.Chacrinha um dos mestres da batida.(foto)  
O processo de fabricação das batidas, embora simples, é guardado com certo mistério pelos “batideiros”. É primitivo e resulta num problema a enfrentar pelos “batideiros”, especialmente aqueles mais atirados que desejam enfrentar as barreiras econômicas e alfandegárias para exportá-las . Outros, no entanto, não aceitam a idéia da exportação, pois trabalham com batidas por prazer e um deles é Antonio Machado Villar, ou simplesmente Villar, que foi chamado por Jorge Amado em seu livro “Bahia de Todos os Santos”de "o mago das batidas”. Ele fica horas e horas em sua rústica casinha a conversar com seus clientes sobre os variados sabores e poderes afrodisíacos de suas batidas.Prefere um contato direto entre o produtor e o consumidor porque em sua opinião o industrializado perde o sentido humano e toda a essência do paladar.

Os nomes das batidas são sugestivos e chamam a atenção dos novos clientes. “Lágrimas e Chica”( feita da base de umbu), “Carícias de Adão”, “Beijos de Baiana”, “Maracujá do Amor”, "Suor de Nega”, “Pau de Resposta”, dentre muitas outras. Os sabores divergem de uma fruta ou erva para outra e também de um “batideiro”para outro, já que não existem fórmulas divulgadas. Todos guardam debaixo de sete chaves as percentagens das misturas que fazem para conseguir batidas de sabores gostosos e apreciados. Falam muito pouco do processo de fabricação e não permitem que algum fotógrafo documente as várias fases de preparação. Ressaltam que não é por receio de denúncia de falta de higiene - “muito pelo contrário”- revela Villar, “porque o trabalho é feito obedecendo todas as técnicas de higiene para evitar qualquer alteração da fruta e sabor. Basta dizer que qualquer fruta que apresente a menor alteração é imediatamente jogada fora e para isto tenho dois rapazes que só fazem este trabalho. Os cuidados com a higiene nos garante uma boa qualidade e creio que ai está o segredo de nosso sucesso”.

                                                          NÃO USAM AÇÚCAR

Alguns dos “batideiros”não usam açúcar . Preferem a glicose que não faz mal ao fígado e amam acima de tudo as frutas e as ervas. Diz Villar que para fazer uma boa batida é preciso antes de mais nada amar a fruta. Tratá-la com carinho para que não seja machucada. É preciso compreendê-las , porque umas são mais frágeis do que outras. Uma são mais perecíveis e exigem do “batideiro”cuidados especiais para que não ocasionem alterações desagradáveis no sabor das batidas.
“Chacrinha”outro “batideiro” instalado no tradicional Mercado Modelo, diz que as frutas possuem uma capacidade de resistência, quer estejam guardadas em frigoríficos ou ao ar livre. Esta capacidade de resistência tem que ser respeitada porque do contrário o trabalho será perdido.

                                                                   MACERAÇÃO

Os “batideiros”falam muito do processo de maceração que consiste na colocação das frutas e ervas dentro de vasilhames contendo cachaça, por determinado período. De vez em quando o “batideiro”pega o vasilhame e sacode para que os resíduos das frutas e ervas fiquem impregnados dos princípios solúveis da cachaça. Explicam os “batideiros” que este trabalho é demorado e exige do pequeno produtor um esforço muito grande. Alguns não compreendem este processo e com isto fabricam batidas de qualidade duvidosa.

Além dos poderes afrodisíacos e dos sabores gostosos, as batidas apresentam outras vantagens em relação ao uísque. É que não deixam o individuo com dores de cabeça e os preços são bem mais baratos, Uma dose de batida custa “Cr$10,00 a Cr$15,00, enquanto uma dose de uísque nacional custa o dobro.

O “batideiro”Antonio Machado Villar, de 57 anos , ( (foto) estudou Farmácia na Universidade Federal da Bahia e trabalhou por muito tempo manipulando fórmulas numa farmácia de sua propriedade. Este aprendizado tem lhe ajudado bastante porque conhece a fundo muitos macetes da mistura de frutas e ervas. Explicando porque suas batidas têm um sabor especial, ele diz que “conheço as frutas e ervas e sei que cada uma delas suporta um determinado teor de álcool.Algumas chegam a suportar 96 graus e outras 40 graus.Portanto , para a gente conseguir uma boa batida tem que observar estas coisas. Além disto, umas frutas e ervas têm mais sucos do que outras. Algumas são mais suculentas, a exemplo da tangerina, mangaba, umbu, cajá-umbu, cajá e manga. Sei também que é preciso cuidado no processo de maceração para que se consiga o chamado peso-planta que é aquele onde retiramos tudo da planta ou fruta, ficando apenas os resíduos imprestáveis que são separados e jogados fora. Consigo desta forma um aproveitamento fabuloso do suco da erva e da fruta”.

                                                            ESPERANÇA DOS “COROAS”

O inventor das batidas “Doce Ilusão”, Escada de Macaco”e “Levanta Lençol”, o conhecido barraqueiro do Mercado Modelo  Fênix assegura que as batidas por ele fabricadas têm poderes afrodisíacos e são consumidas por senhores de meia-idade. Os nomes já sugerem os propalados poderes afrodisíacos e para comprovar só tomando alguns goles ou doses especialmente preparados.

Entre as plantas que entram na feitura das batidas está o gengibre. É utilizado no vatapá e é considerado um medicamente energético. Em contato com a pituitária provoca “etermoções”abundante secreção de saliva. Quando ingerido, aumenta as diversas secreções gástricas e facilita as funções digestivas, estimula os órgãos respiratórios e aparelho genital, além de aumentar a atividade cerebral. Daí a crendice de ser o gengibre um afrodisíaco não menos eficaz do que a catuaba, cujo nome significa “folha boa”. A catuaba verdadeira, que pode ser encontrada em qualquer lugar da Bahia, tem suas propriedades reconhecidas tanto tônicas, estimulantes e principalmente afrodisíacas, mas já foi também utilizada no combate à sífilis com bons resultados.
Porém, existem outras infusões feitas com ervas entre as quais a jurubeba, erva-doce, dandá e milome.Cada uma com suas propriedades e servindo para cura de várias doenças. Os “batideiros”dizem que tanto as batidas como as infusões estão sendo consumidas em grande escala e citam que muitos médicos acreditam no efeito delas sobre o organismo, embora o efeito seja às vezes um pouco lento. Explicam que cada planta tem uma composição complexa, onde predomina o princípio ativo, que é o fator que age em determinado órgão. Dizem ainda que outros fatores são equilibrados sem perigo de causarem efeitos colaterais, porque a própria natureza faz suas correções.

                                                                        CORDEL

Alguns versos da literatura de cordel falam da origem das batidas baianas que teriam começado na época do descobrimento do Brasil . Diz um desses livretos: Quando Cabral no Brasil chegou / Em Porto Seguro ele aportou / Colocou a bandeira portuguesa / Chamou o imediato e disse / Diretor para Salvador / Chegou a esta cidade / Sem um dia de viagem / Não havia vento / Por causa da estiagem / Como bom lusitano / Paladar sem engano / Tinha uma sede incontida / Chamou Pero Vaz aminha/ E disse para tomar batidas ? E não me leva devagar/ Trago uma mensagem de D. Manuel / Pra meu amigo Villar / Despachar urgente / Três garrafas de batida ? Catuaba, tangerina e maracujá “.
Realmente , o comércio de ervas e batidas na Bahia é centenário e teve início nas “bodegas”instladas nos mais variados pontos da velha Salvador. Hoje, além da orla marítima, onde está a maioria dos “batideiros”, você pode saborear uma boa batida, nos mercados Modelo, Sete Portas, São Miguel, São Joaquim e Santa Bárbara. Ali você encontra turistas, “batideiros”e a gente dos candomblés em busca de plantas e infusões para seus preceitos.Outros vão em busca de remédio para “fortalecer”ou abrir seus apetites sexuais.De qualquer sorte, a procura e o aumento do número de “batideiros”demonstra o interesse ( pelo menos) de muita gente que procura remédio para seus problemas espirituais e físicos. Assim, as batidas e as infusões embriagantes e afrodisíacas vão ganhando terreno e tornando-se em mais um mistério da velha Bahia.












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